Artigos
A culpa é do chefe
Estrela das teorias de administração, consultor americano diz que a insatisfação no trabalho é causada por líderes incompetentes

Revista Época dezembro 2005
RICARDO AMORIM

O americano James C. Hunter freqüenta há 62 semanas a lista de livros mais vendidos no Brasil com seu O Monge e o Executivo. Na semana passada, o título ostentava o primeiro lugar entre as obras de auto-ajuda, provando que o conceito de liderança desenvolvido pelo autor é um sucesso no país. 'Nem eu esperava isso', admite. No livro, ele ensina que os bons líderes possuem a 'habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente'. Em outras palavras: são aqueles que usam o convencimento, e não o poder, para garantir a realização das tarefas. Para isso, Hunter diz que é fundamental a construção de um bom relacionamento entre chefes e empregados, estabelecendo um elo de confiança que levará a melhores resultados. 'As empresas que não enxergarem isso vão morrer', decreta. Palestrante e consultor requisitado, o autor estará no Brasil nesta semana falando em eventos patrocinados pelo Grupo Pragmática e pela Modus Educação Corporativa, com o apoio do Senac Rio. Por telefone, de seu escritório em Detroit, ele concedeu a seguinte entrevista a ÉPOCA.

James C. Hunter

Dados pessoais 
Tem 50 anos, mora em Detroit (EUA) com a mulher e a filha

Carreira 
Atua como principal consultor da J.D. Hunter Associates, que presta assessoria em gestão, liderança e treinamento 

Livros 
O Monge e o Executivo The World's Most Powerful Leadership Principle, ainda 
sem tradução para o português


Foto: Divulgação

ÉPOCA - Seu livro é um dos mais vendidos no Brasil. Por que as pessoas se interessam tanto por esse assunto? 
James C. Hunter - 
Atualmente há uma nova onda de consciência, curiosidade e interesse acerca do tema liderança. Os jovens procuram bons líderes. No livro eu faço uma grande distinção entre gerenciamento e liderança. Conheço bons gerentes que não são bons líderes e vice-versa. E o interesse é justamente a respeito de como liderar pessoas. Como inspirar e influenciar pessoas para a ação.

ÉPOCA - Mas se todos querem ser líderes, quem serão os liderados? 
Hunter - 
Eles não querem apenas ser líderes, mas também ser liderados. Uma pesquisa do Instituto Gallup divulgada recentemente nos Estados Unidos perguntou às pessoas os motivos que as levavam a pedir demissão. Dois terços dos trabalhadores que deixam seus empregos o fazem por causa dos chefes. A companhia pode ser ótima, o presidente muito legal, os produtos incríveis, mas, se o meu chefe é um idiota, eu tenho um mau emprego.

ÉPOCA - Mesmo se a pessoa recebe um bom salário? 
Hunter - 
Isso acaba importando menos. As pessoas passam mais tempo no trabalho do que com a família. Então, se eu tenho um mau chefe, que cria um ambiente ruim, isso não é bom para mim. E os jovens simplesmente vão embora em busca de outro emprego. As empresas estão percebendo que boa gestão apenas não é mais suficiente. É preciso ter bons líderes senão os empregados vão embora. Vão procurar um lugar onde exista alguém que os ajude a satisfazer suas necessidades.

ÉPOCA - Como assim? 
Hunter - 
Os mais velhos costumam acusar esses jovens empregados de não serem leais à companhia. Mas eu considero uma atitude bastante saudável. Por que eu passaria o meu tempo, a minha vida, trabalhando em uma empresa onde eu não sou valorizado ou não sou tratado com respeito? Por que eu faria isso em vez de procurar outro lugar onde eu possa ser respeitado, valorizado e seguir uma boa liderança? Esse é um ótimo sinal e está forçando muitas mudanças ao redor do mundo.

ÉPOCA - E como age o bom líder? 
Hunter - 
Há uma diferença entre trabalhar 'do pescoço para cima' e 'do pescoço para baixo'. Uma maneira de ser um gerente é controlar seus empregados 'do pescoço para baixo': você tem mãos, pernas, costas. Você tem corpos. Isso é muito diferente de ter as pessoas envolvidas 'do pescoço para cima'. Você tem os corações e as mentes, de onde vêm a criatividade e a excelência. E essas pessoas têm vontade de estar ali e dar o melhor de si. Eu posso ter dez pessoas trabalhando para mim que não estejam comprometidas. Chegam de manhã, vão para casa à noite e fazem um trabalho medíocre. Grandes líderes conseguem envolver as pessoas 'do pescoço para cima'. Conseguem fazer com que os trabalhadores se comprometam a ser o melhor que puderem, a brigar por excelência, a trabalhar duro, a criar uma grande empresa.

ÉPOCA - Mas muitas vezes o trabalhador acaba aceitando conviver com um mau líder por não ter opção, principalmente onde o desemprego é alto, não? 
Hunter 
- Sim, mas, mesmo que as pessoas vivam em um local onde a economia não seja tão vibrante, não significa que elas vão dar tudo para a empresa. Nós chamamos esse tipo de profissional de 'aposentado em serviço'. Eles estão trabalhando, mas já bateram o cartão há muito tempo.

ÉPOCA - Mas isso acontece porque eles simplesmente não têm escolha... 
Hunter - 
Sim, claro, mas de uma maneira ou de outra a empresa vai sofrer as conseqüências. Sofre porque conta com uma liderança ruim, esse é um sintoma de má liderança. Os consumidores e clientes vão acabar insatisfeitos porque os funcionários não estão engajados, ao contrário do que aconteceria se eles estivessem em uma companhia com ótima liderança. Onde as pessoas estão envolvidas e estimuladas, elas trabalham duro para servir os clientes. Isso é muito diferente de um empregado que não queria estar ali. Ele talvez tenha de estar ali porque não consegue encontrar outro emprego, mas isso não significa que ele vai estar envolvido 'do pescoço para cima'.

ÉPOCA - Por que há esse crescente movimento das pessoas tentando se reinventar profissionalmente, buscando mudar suas condutas no trabalho? 
Hunter - 
As pessoas estão encarando suas profissões de um modo diferente. Elas querem mais do que chegar no trabalho pela manhã, ir embora no final da tarde, dia após dia, ano após ano. As pessoas querem um trabalho com o qual possam ficar empolgadas, onde possam crescer, melhorar suas vidas, se tornar pessoas melhores. A boa liderança tem a ver com a satisfação dessas necessidades. Não se trata de atender às vontades, mas às necessidades. Não estamos aqui para fazer o que as pessoas querem, mas sim o que elas precisam. E as pessoas precisam crescer e ser o melhor que puderem. Se elas não conseguem, elas vão embora. Isso cria tensão nas empresas quando os melhores e mais brilhantes profissionais começam a sair, porque eles têm gestores que não entenderam isso.

ÉPOCA - As grandes empresas já aprenderam que o modelo de liderança precisa mudar?
Hunter - 
As excelentes, sim. Eu cito muitas delas em meu segundo livro, que deve ser lançado no Brasil no ano que vem. Falo justamente sobre como as empresas ao redor do mundo estão reconhecendo esse problema, lidando com ele e criando boas lideranças, boas organizações. Fazem isso porque os métodos antigos não funcionam mais. São forçadas a rever como treinam seus gerentes e como desenvolvem o conceito de liderança.

ÉPOCA - E o que acontece com quem se recusa a mudar porque acredita que seus conceitos vêm funcionando bem? 
Hunter - 
A minha cidade, Detroit, a capital da indústria automobilística, está morrendo. Estamos perdendo profissionais aos milhares todos os anos. Por quê? Porque aqui temos um modelo de 50 anos de idade. Estamos gerenciando pessoas 'do pescoço para baixo'. Acontece que 'do pescoço para baixo' não é mais suficiente.

''O bom líder consegue engajar as pessoas 'do pescoço para cima'. Conquista seus corações e mentes e obtém o melhor que elas podem dar''

ÉPOCA - E por que isso mudou, já que funcionou por tanto tempo? 
Hunter 
- Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a indústria automobilística não tinha concorrentes no resto do mundo. Boa parte do mundo civilizado estava devastada depois da guerra. Então a mentalidade 'do pescoço para baixo' era suficiente. Mas nos 30 anos seguintes os outros países se reconstruíram. Japão, Coréia, China, Alemanha, Inglaterra... Esses países nos ensinaram lições muito dolorosas, mas a principal foi: 'Do pescoço para baixo' não está nem perto de ser suficiente. O Japão nos ensinou conceitos como 'just in time', melhoria contínua, qualidade total... Conceitos que não podem ser feitos por trabalhadores do tipo 'pescoço para baixo'. Você precisa de pessoas envolvidas com o jogo para fazer isso. É um nível muito mais alto, entende?

ÉPOCA - É mesmo tudo uma questão de liderança? Que peso têm benefícios como salários, férias, horários flexíveis e bônus nessa equação? 
Hunter - 
Estudei as práticas de compensação das empresas por muitos anos. E descobri que você não precisa ser o mais bem pago, basta que o pagamento seja justo. Se suas compensações e seus benefícios são justos e compatíveis com o mercado em que você atua, essa deixa de ser a principal questão, que passa a ser liderança. A partir daí é isso o que diferencia as empresas. As indústrias automobilísticas da minha região têm os melhores salários do país, os funcionários estão entre os mais bem pagos do mundo. E elas estão morrendo.

ÉPOCA - Mas as pessoas não trabalham por dinheiro, afinal? 
Hunter 
- Essa é a razão pela qual elas estão ali, é claro. Pagamento é muito importante. Mas, no momento em que o pagamento é percebido como sendo justo, então outras necessidades se tornam importantes. Estou sendo valorizado? Confio nas pessoas que trabalham comigo? São necessidades de outro nível. Tenho a oportunidade de subir na carreira, tenho a chance de ser o melhor que eu puder? Estou trabalhando para um chefe que estimula o meu crescimento e desenvolvimento? Essas coisas se tornam importantes.

ÉPOCA - Necessidades muito mais subjetivas... 
Hunter - 
Exatamente. O psicólogo Abraham Maslow fala sobre isso. Uma vez que a comida, o abrigo e a água estão garantidos, as pessoas se movem em direção a necessidades mais complexas. Reconhecimento, respeito, valorização, coisas assim. Mas é óbvio que, se não há um salário justo no final do mês, essas coisas deixam de ser importantes. O salário deve vir primeiro. 

ÉPOCA - O que faz de uma pessoa um grande líder, afinal? 
Hunter - 
A qualidade número um é personalidade. E personalidade é aquilo que a pessoa é quando ela está no escuro e ninguém está olhando. A verdadeira pessoa. Tem a ver com o comprometimento, com a paixão por fazer a coisa certa por seus subordinados. São pessoas que entendem que os demais têm a necessidade de ser reconhecidos, de ser tratados com respeito; têm a necessidade de entender o que se espera delas, qual a missão da empresa e dos negócios; necessidade de ser abraçados e às vezes espancados (risos). Sim, porque bons líderes não são covardes. Alguns dos melhores líderes que eu conheço são durões como pit bulls. São ferozes quando estão diante de coisas como missão da companhia, margem de lucro, objetivos etc. Mas também sabem que as pessoas têm necessidades, sabem como fazer um agrado e sabem como bater. E fazem as duas coisas muito bem. Há dois tipos de líder: os que são movidos pela tarefa e os que são movidos pelo relacionamento.

Frederic Jean/ÉPOCA 
''A indústria automobilística em Detroit ainda usa métodos de 50 anos atrás. Isso está acabando com a cidade, as pessoas estão deixando seus empregos e as empresas estão morrendo''

 

ÉPOCA - E o que vai ter sucesso será o que dá atenção ao relacionamento? 
Hunter - 
Aquele que dá muita atenção às tarefas pode até ter sucesso por algum tempo. Pode conseguir ficar por cima por alguns anos usando apenas o poder. Faz seu trabalho e esquece o relacionamento. Com o tempo, esse tipo de comportamento começa a deteriorar as relações, as pessoas ficam estressadas e começam a pedir demissão. Grandes líderes são capazes de fazer as duas coisas: cumprir as tarefas enquanto se constroem relacionamentos. E isso é uma habilidade, não é algo com que se nasce. É algo que você precisa aprender, desenvolver, praticar. É como ser um atleta, é preciso prática. Ensinamos liderança nas universidades e na maior parte das vezes é uma perda de tempo e dinheiro. Porque você pode aprender sobre liderança, mas nunca saber liderar. Eu posso saber tudo sobre golfe, ver os vídeos do Tiger Woods. Mas como eu posso me tornar um grande golfista se eu não for ao campo e começar a jogar? Alguém já aprendeu a nadar lendo um livro? E é disso que se trata liderança. Você precisa aplicar na prática, não se aprende com um livro.

ÉPOCA - Ao construir bons relacionamentos com os empregados, não há o risco de tornar o ambiente de trabalho perigosamente informal? 
Hunter - 
Sim. Há dois lados nessa questão. O primeiro é que, se um chefe constrói relacionamentos com seu pessoal, ele vai acabar sofrendo mais. Se você não tem uma relação com seus subordinados, é fácil demiti-los. É fácil dar ordens e comandá-los. Se você tem uma relação e se importa com eles, você vai sofrer mais com suas decisões. O segundo lado é que, se você não for cuidadoso, você pode perder o equilíbrio e começar a se tornar parceiro em vez de chefe. E isso é perigoso porque as pessoas que você lidera não precisam de outro companheiro, elas precisam de um líder. Porque quando eu sou o amigo delas eu posso não fazer o que elas precisam, e sim o que elas querem. Eu vou tentar buscar a aprovação delas e quando se busca a aprovação das pessoas que lideramos temos um problema muito sério. É difícil manter o equilíbrio, por isso é importante se cercar de pessoas que ajudem você a prestar atenção a isso. Isso tem sido feito por muitos líderes que eu conheço.

voltar -