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Seja o Líder que as Empresas Precisam
É ético, ajuda os colegas, serve em vez de ser servido. E, pode crer, não tem vergonha de dizer que depende da equipe para crescer...
O líder espiritualizado

O moço sorridente que está na foto ao lado coordena um time de 385 pessoas numa multinacional francesa do setor de alimentação. Como chefe, no entanto, ele está mais preocupado em servir a seus funcionários do que em dar ordens. Seu maior propósito é ajudar sua equipe a se desenvolver, alinhando suas necessidades e valores aos da empresa. Com essa filosofia, ele e seu time superaram as metas previstas para o ano passado e estimam uma performance ainda melhor em 2005. Diretor-geral da Sodexho Pass no Brasil, o mineiro Sergio Chaia, de 40 anos, é um dos rostos da chamada liderança servidora, a grande tendência em gestão para os próximos anos. O movimento é capitaneado por executivos que não têm vergonha de levar a palavra amor para o mundo corporativo e acreditam que o sucesso profissional passa pela consciência de seu papel no mundo. 

Soa singelo demais para você? Pois saiba que é essa postura que vai garantir a competitividade das empresas nos próximos anos. E quem não perceber sua importância corre o risco de ficar fora do mercado. Quem decreta é o guru norte-americano James C. Hunter, autor de O Monge e o Executivo, primeiro lugar no ranking dos livros de carreira mais vendidos no Brasil, com 100 000 exemplares comercializados até o fechamento desta edição. "Muitos executivos acham que, porque estão no comando, seus funcionários é que têm de servi-los. Mas isso já não funciona. Hoje, as empresas precisam contar com o coração, a mente e o espírito dos seus colaboradores. E só se consegue isso quando o líder deixa de lado o desejo de poder e serve, em vez de ser servido", afirma James (leia entrevista exclusiva com o autor nas páginas seguintes). 

O modelo pregado pelo consultor não é novo, mas só agora vem ganhando força, como um reflexo do crescente movimento de espiritualidade nas organizações. Essa corrente é uma resposta à alarmante crise existencial que assola o universo corporativo. Muitos profissionais já não se satisfazem apenas com a perspectiva de bater metas e receber um gordo bônus no fim do ano. Não querem mais atuar numa empresa que tem valores tão diferentes dos seus. Não estão mais dispostos a abrir mão da vida pessoal. Só que essa é, muitas vezes, a realidade que encontram na empresa. "Hoje, os profissionais precisam ver sentido no que fazem. Mas os modelos reducionistas do passado mostram-se incompetentes para responder a essas questões existenciais", afirma Jair Moggi, diretor da consultoria Adigo, em São Paulo, e co-autor de dois livros sobre o tema: Como Integrar Liderança e Espiritualidade (Negócio Editora) e O Espírito Transformador (Editora Antroposófica). Nesse cenário turbulento, a espiritualidade desponta como um caminho para uma relação mais saudável entre os funcionários e as empresas em que atuam, considerando o trabalho como parte de algo que transcende os aspectos materiais e contempla, também, as dimensões psíquicas, sociais e espirituais. "As pessoas buscam alguma coisa que diminua a tormenta do cotidiano e as impeça de serem tragadas pelo mundo do trabalho", explica o filósofo e consultor Mário Sérgio Cortella, que também é professor titular do departamento de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Detalhe: Cortella tem sido um dos mais requisitados palestrantes para executivos do país. 

Quando passa do plano das idéias para a prática, esse movimento espiritual se reflete em produtividade, criatividade e inovação. "Quando estão conscientes do seu papel na empresa e na sociedade, gostam do que fazem e acreditam nos valores da organização, os profissionais se sentem muito mais felizes e motivados", afirma Sergio Chaia, da Sodexho Pass. Por isso mesmo, cabe ao novo líder incentivar o desenvolvimento espiritual de sua equipe. Caso contrário, a empresa corre o risco de perder talentos para os concorrentes ou -- se conseguir segurar os funcionários na casa -- ver os resultados despencarem. "As empresas vencedoras sabem que a inovação e a ambição vêm do coração. Se você não trabalha com o coração, não é competitivo como deveria ser. E o mercado já não tem espaço para isso", diz Sergio. 

A HORA DA VIRADA 

Hoje essa percepção faz parte do dia-a-dia de Sergio. Mas houve um tempo em que não era bem assim. Há alguns anos, ele foi chamado à sala do então vice-presidente de recursos humanos da Sodexho Pass para a América do Sul, Plínio Romitto Júnior, e ouviu o seguinte: "Você é brilhante, mas tenta canalizar o reconhecimento para você mesmo. E isso é um problema. Porque o seu brilho nada mais é do que a soma do trabalho de sua equipe". Em princípio, Sergio resistiu à crítica. Depois ficou com raiva de si mesmo por não ter percebido logo isso. E, em seguida, começou a repensar toda sua forma de trabalhar. Hoje, ele não tem dúvidas de quem é o centro das atenções nessa história: o seu time. Tanto que não gosta de falar em primeira pessoa sobre qualquer aspecto relacionado ao trabalho. "Tudo é feito em conjunto. Eu dependo das pessoas mais do que elas dependem de mim. É um fato. Então, nada mais lógico que eu tenha de servi-las, para que tenham condições de fazer bem o seu trabalho", afirma. 

Esse modo de ver a vida profissional também faz parte do conceito de espiritualidade que guia o paulista Marcos Cominato, de 46 anos, diretor de recursos humanos da filial brasileira da Nokia, fabricante de celulares finlandesa. "Espiritualidade é a consciência de que não viemos ao mundo para nos auto-satisfazer, mas para nos colocarmos a serviço das outras pessoas. E isso não significa um ato isolado. É uma postura para as 24 horas do dia", afirma o executivo. Segundo ele, essa atitude vem como conseqüência da harmonia entre as quatro dimensões que formam o ser humano: racional, social, emocional e espiritual. "Um profissional realizado, de alta performance, só consegue chegar a esse patamar se tiver os quatro aspectos em equilíbrio", diz Marcos. Antes de tentar colocar isso em prática, no entanto, é preciso entender o que significam cada uma dessas dimensões. Quem explica é a psicóloga Bene Catanante, sócia-diretora da consultoria Com Ciência Recursos Humanos e autora do livro Gestão do Ser Integral (Editora Gente). Segundo ela, a dimensão racional é a que usamos para definir nossos objetivos. Já a social significa que somos interdependentes e, por isso, precisamos aprender a conviver com a diversidade. A dimensão emocional está ligada ao impacto que nossas ações provocam nos outros, enquanto a espiritual significa crer em algo que transcende o material e dá sentido à vida. 

Se você consegue integrar e otimizar todos esses aspectos, como diz Marcos, o resultado naturalmente é visto no trabalho. É o que vem descobrindo a paulista Sônia Cruz, de 40 anos, gerente de relacionamento com clientes corporativos da Telefônica, grupo espanhol de telecomunicações, em São Paulo. À frente de uma equipe de 600 pessoas, Sônia sentia que era focada demais no trabalho e acabava deixando outros aspectos de sua vida em segundo plano -- o que, naturalmente, gerava uma grande angústia. Em busca de autoconhecimento, Sônia passou a fazer terapia e, recentemente, também começou a freqüentar um grupo de oração, que realiza palestras sobre temas ligados ao bem-estar. Os primeiros resultados já estão aí. No trabalho, ela hoje consegue enxergar oportunidades onde antes via problemas. "Estou mais serena. Antes ficava muito ansiosa diante de situações adversas", reflete. Ela também vem exercitando seu perfil de servidora. "Alguns dos nossos profissionais estavam acostumados a apenas executar. Não se identificavam com os objetivos comuns. Hoje sei que o meu papel é fazer com que eles vejam significado no que fazem e sintam-se donos do negócio. Com isso, todo mundo sai ganhando", afirma. 

PONTO DE PARTIDA 

Histórias como a de Sergio, Marcos e Sônia são exemplos de que, ainda que timidamente, o movimento da espiritualidade vai tomando corpo nas organizações brasileiras. Tanto que o tema já faz parte de processos de orientação de carreira. Marcos Aranha, sócio da consultoria One Wish For You, em São Paulo, dedica um módulo do seu programa de coaching exclusivamente para a espiritualidade. "Estimulamos o profissional a se questionar sobre por que está aqui", diz Marcos. O conceito também faz parte dos programas de gestão desenvolvidos para empresas por consultores como Jair Moggi, da Adigo. "Alguns executivos já perceberam que, para alcançar bons resultados, a organização precisa considerar as pessoas que estão por trás disso", afirma Jair. "Há 20 anos, eu seria chamado de louco por trabalhar conceitos espirituais nas empresas. Hoje é diferente. Não saio batendo na porta das empresas para vender consultoria. Elas vêm buscar esse serviço porque funciona." Entre seus clientes estão empresas como Caramuru Alimentos, Matel e Petrobras. 

Tem mais. A espiritualidade também vem sendo levada em consideração na seleção de executivos. "Procuro indicar, entre os candidatos que apresento às organizações, profissionais que vejam a empresa como um ser vivo e encarem a liderança como uma forma de acrescentar algo positivo para as pessoas e para o mercado", diz Laís Passarelli, diretora da Passarelli Consultores, em São Paulo, uma das principais empresas de seleção de executivos no Brasil. São profissionais como esses que estão abrindo caminho para a mudança. "As empresas que procuram harmonizar as relações de forma genuína, e não para ficar bem na foto, estão consolidando o modelo de gestão do futuro", afirma Jair Moggi. Mas o movimento ainda está só começando. Alguns executivos torcem o nariz para o tema e acham que isso não passa de um modismo inconseqüente. Outros até defendem a espiritualidade no trabalho, mas falam muito mais do que fazem. "No dia-a-dia, a maioria das relações profissionais continua a ser pautada por paradigmas do passado", diz Marcos Aranha. 

Um dos maiores problemas, segundo Jair, é o fato de que alguns profissionais estão muito presos à visão materialista e não conseguem trabalhar com a pergunta: "Por que não?". Outro ponto que provoca resistência é o fato de que muita gente considera a espiritualidade um sinônimo da religiosidade. "Isso assusta muitos executivos, que logo pensam em altares e velas em plena empresa", diz Floriano Serra, diretor de RH e qualidade de vida da Apsen Farmacêutica e autor do livro A Terceira Inteligência (Editora Butterfly). É bom deixar claro, portanto, que no universo corporativo esses conceitos não se confundem. A religiosidade pode até ser um caminho para a espiritualidade. Mas não obrigatoriamente. Aliás, obrigação é algo que não combina com espiritualidade. Nessa área, não existem fórmulas que valem para todos os funcionários e empresas. Muito menos regras a serem obedecidas cegamente. "Se você trata a espiritualidade como uma imposição, qualquer movimento nesse sentido tem pouquíssimas chances de dar certo", afirma Sergio Chaia. 

O QUE É ESPIRITUALIDADE 

* Significa a capacidade de pensar, sentir e agir com base na crença de que existe algo maior do que os aspectos materiais. 
* Representa a busca de significado para o papel do ser humano na empresa, na família, na sociedade (e o conseqüente equilíbrio dessas várias dimensões). 
* É uma postura de vida, não envolve rituais. 
* Tem elementos comuns a todas as religiões, como amor, esperança, liberdade, igualdade etc. 

RELIGIOSIDADE 

* Representa várias correntes (religiões) que conduzem à espiritualidade. 
* Baseia-se na forma como os fundadores de cada religião viam o mundo. 
* Envolve rituais e costumes. 
* Ganha novas vertentes de acordo com os contextos históricos e culturais. 

EM VEZ DE FALAR, FAÇA 

Se o crescimento espiritual se reflete em produtividade, cabe ao líder promover esse desenvolvimento. Mas como é que isso funciona na prática? Pedimos a Sergio Chaia, diretor-geral da Sodexho Pass, para contar um pouco da experiência de sua equipe nessa área. O trabalho parte do princípio que o crescimento espiritual representa uma maior consciência do papel do colaborador não só na empresa, mas em todas as esferas da sua vida. Para estimular essa consciência, a Sodexho Pass promove atividades que conduzem a uma reflexão sobre os objetivos e os valores dos profissionais. 

* Semanalmente, são realizadas sessões de ioga e meditação, que estimulam o autoconhecimento. 
* A empresa também incentiva o desenvolvimento espiritual por meio da responsabilidade social. Com isso, o funcionário: 

- ajuda o outro a se desenvolver; 
- reforça a consciência de que faz parte do todo e pratica a lei da reciprocidade (que diz que suas ações acabam voltando para você); 
- minimiza seus próprios problemas e adota uma postura mais positiva. 
* Os objetivos e resultados de cada área são trabalhados com transparência. Isso fortalece a sensação de pertencimento. "As pessoas sentiam falta de saber para onde a empresa estava indo", diz Sergio. 
* Os profissionais têm autonomia (e assumem essa responsabilidade). A Sodexho Pass acredita que as pessoas fazem mais e melhor quando sentem que contribuíram com seu esforço. 
* Cada conquista é celebrada, partindo-se do princípio de que o que move o homem é o reconhecimento. 
* Em vez de falar, os líderes fazem. Dessa forma, levam o funcionário a refletir sobre essas ações, encontrando suas próprias respostas. 
* O respeito à diversidade é a base detodo o relacionamento profissional. 

SO SE FALA NISSO 

* Em abril, a espiritualidade é tema do Global MindChange Forum, evento sobre a mudança de consciência das organizações, que será realizado em São Paulo. 
* O Ibap Educação Empresarial, em Salvador, vem realizando palestras e seminários sobre a espiritualidade nas empresas desde 1995 e, este ano, planeja um novo evento sobre o tema. 
* Em março, a espiritualidade no trabalho foi alvo de um encontro de profissionais de RH realizado na Câmara Americana de Comércio (Amcham), em São Paulo. 
* Nos Estados Unidos, o assunto também vem mobilizando o mercado. Em março, o Babson College, tradicional pólo de empreendedorismo, promoveu a oitava edição do International Symposium on Business & Spirituality ("Simpósio Internacional sobre Negócios e Espiritualidade"). 
* O Instituto Metanexus, também nos Estados Unidos, criou um fundo de investimento para pesquisas sobre o capital espiritual nas organizações e abriu inscrições para o programa. 

POR QUE OS PROFISSIONAIS ESTÃO EM CRISE 

Apesar de os conceitos espirituais nas organizações já serem discutidos há vários anos, só agora eles estão realmente ganhando força. O motivo é simples: os profissionais chegaram a uma situação-limite e simplesmente não estão agüentando mais. "Há uma forte demanda por outra relação com o trabalho. As pessoas não querem mais se sentir desumanizadas e pagar o preço de perder sua identidade, de perder o encanto da vida", diz o filósofo Mário Sergio Cortella. Esse movimento que está explodindo agora é o reflexo de um longo processo de quebra de vínculos, como explica o consultor Jair Moggi, da Adigo.

1. A humanidade rompeu a relação com a terra, que, em vez de ser venerada como era antigamente, passou a ser destruída.

2. O homem também quebrou os laços de sangue, desvalorizando a ligação com a família.

3. Desfez-se de normas e tradições que garantiam sua estabilidade.

4. Desligou-se de Deus, como mostra a grande crise por que passam as religiões. Como conseqüência de todo esse processo, veio uma angústia profunda e um expressivo questionamento existencial, que agora resulta numa tentativa de resgate desses vínculos -- de uma forma mais consciente e particular, por meio da espiritualidade. 

Nesse contexto, a empresa tem um papel decisivo. "Qual a única entidade que pode destruir ou consertar o mundo hoje?", pergunta Jair. "Não é mais a Igreja, um líder carismático ou um partido político. É a organização." Segundo ele, o universo corporativo é o principal pólo de aprendizagem dos nossos tempos e, por mais que se esforcem, as universidades estão sempre um passo atrás em relação à realidade corporativa. "As organizações são grandes palcos cármicos, onde as pessoas se encontram para aprender umas com as outras. O melhor case que você pode estudar está acontecendo ao seu lado", afirma o consultor.

POR QUE OS PROFISSIONAIS ESTÃO EM CRISE 

Apesar de os conceitos espirituais nas organizações já serem discutidos há vários anos, só agora eles estão realmente ganhando força. O motivo é simples: os profissionais chegaram a uma situação-limite e simplesmente não estão agüentando mais. "Há uma forte demanda por outra relação com o trabalho. As pessoas não querem mais se sentir desumanizadas e pagar o preço de perder sua identidade, de perder o encanto da vida", diz o filósofo Mário Sergio Cortella. Esse movimento que está explodindo agora é o reflexo de um longo processo de quebra de vínculos, como explica o consultor Jair Moggi, da Adigo. A humanidade rompeu a relação com a terra, que, em vez de ser venerada como era antigamente, passou a ser destruída. O homem também quebrou os laços de sangue, desvalorizando a ligação com a família. Desfez-se de normas e tradições que garantiam sua estabilidade. E desligou-se de Deus, como mostra a grande crise por que passam as religiões. Como conseqüência de todo esse processo, veio uma angústia profunda e um expressivo questionamento existencial, que agora resulta numa tentativa de resgate desses vínculos -- de uma forma mais consciente e particular, por meio da espiritualidade. 

Nesse contexto, a empresa tem um papel decisivo. "Qual a única entidade que pode destruir ou consertar o mundo hoje?", pergunta Jair. "Não é mais a Igreja, um líder carismático ou um partido político. É a organização." Segundo ele, o universo corporativo é o principal pólo de aprendizagem dos nossos tempos e, por mais que se esforcem, as universidades estão sempre um passo atrás em relação à realidade corporativa. "As organizações são grandes palcos cármicos, onde as pessoas se encontram para aprender umas com as outras. O melhor case que você pode estudar está acontecendo ao seu lado", afirma o consultor.

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